Quanto à duração das aulas, com crianças pequenas (de 3 a 5 anos), dificilmente extrapolam os 30 minutos de trabalho. Nestes casos, partir de atividades lúdicas é fundamental não só para que a filosofia seja vivida com alegria e fascinação, mas também para criar interesse genuíno e compromisso profundo nas crianças. Nos primeiros anos da escola primária costuma-se trabalhar até 40 minutos e com crianças maiores 50 minutos ou até uma hora.
Quanto à ocupação do espaço, em geral, costuma-se fazer um círculo e o professor seja mais um integrante dele. Também as professores costumam combinar algumas regras ou pautas para as aulas de filosofia. Costumam ser apropriadas regras que propiciem a escuta, o respeito e o cuidado pelo outro em suas semelhanças e diferenças, a liberdade e a responsabilidade para pensar e fazer, a necessidade de fundamentar nossas opiniões, a cooperação e a solidariedade na construção do pensar filosófico. Considerar-se com as crianças as razões para adotar estas ou outras regras para o funcionamento coletivo e para adiantar suas possíveis conseqüências.
De uma forma geral, as aulas de filosofia com crianças costumam ter as seguintes partes:
- Atividade prévia ao trabalho textual para introduzir as crianças nalguma das temáticas que serão abordadas textualmente;
- Apresentação (leitura) de um texto, mais imagético no caso das crianças pequenas, mais lingüístico no caso de crianças maiores, lê-se participativamente, narra-se pelo professor, representa-se através de fantoches, etc.;
- Problematização do texto, geralmente através da formulação de perguntas, individuais ou grupais, por parte dos alunos;
- Discussão filosófica, na qual os alunos consideram dialogicamente as perguntas que eles mesmos têm levantado;
- Atividade posterior à discussão para avaliar ou sintetizar aspectos da aula.
O docente faz um planejamento da aula que é flexível em função dos interesses dos alunos e seu papel é de potenciar que os alunos de fato explorem a dimensão filosófica de seu pensamento. Para isso fará re-perguntas aos questionamentos e afirmações dos alunos, introduzirá concepções filosóficas sobre as questões abordadas e problematizará as afirmações aceitas acriticamente pelos alunos.
A seguir extratos de um diálogo entre alunos de 10 anos de escola pública na cidade de Gama no Distrito Federal do Brasil, depois da leitura de um texto de autora brasileira, Ruth Rocha Quando a escola é de vidro. A temática é a relação entre regras e liberdade. As falas são das crianças.
Liry - Algumas regras são boas porque fazem com que a gente tenha liberdade, porque senão vira bagunça.
Diogo - Só que não são as regras que fazem a gente ser livre, porque são as regras da lei quem fazem a gente ser preso... e além disso, tem gente que bagunça com as regras.
Dayane - Só que se você pensa assim, eu não entendo se você gosta ou se não gosta das regras... porque você só pode ser livre se os outros deixarem, por exemplo, seu pai e sua mãe dizem se você pode ou não sair na rua para jogar bola. E isso não é uma regra que faz com que você seja livre ou não?
Diogo - Se for assim, não existe liberdade, porque a gente sempre está obedecendo alguém: a professora, a diretora, a mãe, a moça da biblioteca. Mas parece que eu posso fazer coisas que quero, que nem o Firuli, que podia fazer os deveres dele se mexendo com liberdade sem precisar estar dentro do vidro...
Rosana - Você pode fazer o que você quiser desde que não prejudique ninguém, e para isso servem as regras pra que você respeite os outros.
Como pode-se apreciar a professora sequer intervém neste fragmento e as crianças oferecem diversas concepções sobre o que é uma regra e qual é a função das regras. Também nesse fragmento há em jogo diversas concepções de liberdade. A partir dessa sessão, numa seguinte, a professora poderá fazer explícitas essas diferenças e submetê-las a consideração dos alunos. Poderá também pequenos trechos de textos filosóficos que ofereçam concepções diferentes da liberdade para que sejam considerados pelos alunos.
Numa outra escola no Distrito Federal de Brasil, o Caic Anísio Teixeira de Ceilândia, as crianças narravam da seguinte maneira a primeira parte de sua aula:
Em maio, estivemos pensando sobre o pensar. Para fazermos isso escutamos uma estória: "Pinote, o fracote e Janjão, o fortão". A estória conta como um menino poderoso, que dava ordens a todos os "amigos", não pôde dominar o mais fraquinho deles, pois não podia controlar o seu pensamento ("Diga ao seu pensamento que ele tem de achar graça das minhas piadas!", ordenava Janjão ao Pinote).
A professora contou a estória e, depois, pediu nos pediu para que nos agrupássemos para discutir a estória e fazermos uma pergunta. No nosso debate aconteceu o seguinte diálogo que tentava discutir as seguintes perguntas que foram feitas nos grupinhos (nossa turma é de meninos de 9 anos):
"Por que o Janjão era o mais forte da turma?"
"Por que o Janjão é o fortão?"
"Por que o Janjão só mandava fazer coisas más?"
"Por que aceitaram fazer aquelas brincadeiras?"
"Por que o Pinote não fez nada?"
"Por que o Janjão é o fortão e não conseguia vencer o pensamento do Pinote?"
A pergunta que iniciou o debate foi esta: "Por que o Janjão era o mais forte da turma?"
Depois uma discussão foi facilitada a partir das perguntas que tinham feito cada um dos grupos de crianças.
Esses e outros depoimentos podem ser lidos no site do projeto Filosofia na Escola, www.unb.br/fe/tef/filoesco/crianças.html